sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Excludentes de Ilicitude


Conceito Básico

São chamadas de causas excludentes de ilicitude aquelas que “excluem o crime”, ou seja, quando ocorre uma contrariedade entre o que determina o ordenamento jurídico e o fato, em razão de a sociedade aceitar esse tipo de conduta.
Para que possamos compreender melhor os conceitos aqui passados, temos, primordialmente, que ler o artigo 23 do CP, o qual elenca os tipos de causas excludentes, que serão estudadas uma a uma a seguir:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
I - em estado de necessidade;
 II - em legítima defesa;
 III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Podemos resumir o conceito de excludentes dizendo que é o que ocorre quando, ao praticar um ato típico considerado antijurídico, tal antijuridicidade é excluída em virtude de enquadrar-se nos casos descritos no art. 23 e subsequentes, pelo simples motivo de o ordenamento aceitar tais práticas, sendo consideradas, então, legais.
Descritos nos artigos 23, 24 e 25 do Código Penal, sendo que no artigo 23 encontram-se descritas de forma genérica quais são as causas excludentes, e o exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal. Já o artigo 24 traz detalhadamente como se dá o chamado estado de necessidade, enquanto o artigo 25 traz a legítima defesa. Veremos a seguir mais sobre cada tipo.

Excesso punível 
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Não se pode esquecer, ainda, do parágrafo único do artigo, tendo em vista que ele condena toda e qualquer prática que possa ser considerada abusiva.
Assim sendo, se o agente que praticar o fato típico não tiver certa moderação na hora de praticá-lo ou de escolher os meios para tanto, ele estará agindo em excesso, e não será aceita a alegação de excludente de antijuridicidade.

Estado de necessidade

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
 § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Segundo o artigo supra, o Estado de necessidade ocorre quando o agente comete um fato típico para salvaguardar de perigo atual e inevitável o perigo juridicamente protegido.
Tal fato pode ser cometido para proteger direito seu ou de terceiro, e que a respeito do bem sacrificado, não era razoável exigir-lhe conduta adversa da que teve.
Para que seja efetivamente caracterizado o Estado de Necessidade, é necessário que haja perigo, e que este não tenha sido provocado voluntariamente pelo agente. Ainda há que se falar em perigo atual, e não iminente.
O Princípio da Proporcionalidade na aplicação do estado de necessidade existe na questão de que não pode o agente agir contra um bem maior para salvaguardar outro menor – ex: para salvar sua mala, ele joga a outra pessoa de dentro do barco. Além, é claro, de estar agindo em plena consciência, como exigido na Legítima Defesa.
Segundo o parágrafo 1º do artigo em questão, o estado de necessidade não pode ser alegado por quem tenha a obrigação de enfrentar o perigo.
Numa breve diferenciação, podemos afirmar que esta excludente caracteriza-se por uma AÇÃO.

Legítima defesa

Retirando a ilicitude do ato praticado pelo agente, a legítima defesa é o instituto que usa ‘justificar’ a conduta praticada para repelir injusta agressão.
Também chamado de ‘direito de defesa’, ocorre quando um agente é agredido – algum bem, não necessariamente a vida –, e acaba por agredir de volta o agressor inicial, com o intuito de não ser lesado em seu direito.
Para que seja aceita a teoria, há de se haver agressão, que deverá ser injusta, que seja atual ou iminente (prestes a acontecer), e os meios de defesa deverão ser empregados de forma moderada, proporcional. Além disso, deve o agente (que vai se defender) ter consciência de que está defendendo a si ou direito alheio.
Encontra-se descrita no art. 25 do Código Penal:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Trata-se, portanto, de uma REAÇÃO a lesão.

Estrito cumprimento do dever legal

Fernando Capez bem conceitua o estrito cumprimento do dever legal, ao afirmar que nada mais é senão o agente cumprindo determinada obrigação que lhe é imposta por lei, sendo que pratica ato dentro dos limites dessa obrigação.
Isso significa que se houver excesso, assim como nos demais casos de excludentes, não será acatado o pleito de estrito cumprimento do dever legal.
Neste caso, portanto, a pessoa está cumprindo uma obrigação que lhe é imposta por lei, mas que esta acaba por caracterizar um fato típico, mas não antijurídico.
Encontra-se definido no art. 23 do CP, em seu inciso III:
Art. 23. “Não há crime quando o agente pratica o fato:
(...)
III – em estrito cumprimento de dever legal...”
Para uma breve conclusão, pode-se afirmar que a palavra-chave desta excludente é OBRIGAÇÃO.

Exercício legal do direito

No caso do exercício legal do direito trata-se de uma ação que deve ser praticada pelo sujeito, que consta na legislação, mas que está caracterizada, se não praticada com as prerrogativas impostas pelo código, como fato típico E antijurídico – fato esse que se modifica se se enquadrar na hipótese do art. 23 CP.
São exemplos: o particular que efetua prisão em flagrante, a coação pra evitar o suicídio ou a prática de intervenção cirúrgica.
Tais prerrogativas podem ou não constarem na Lei Penal, pode constar nas leis extrapenais. De qualquer forma, elas não devem ser desrespeitadas pelo simples fato de não estarem dentro do Código Penal.
Vale lembrar ainda que a Constituição traz, em seu artigo 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o que caracteriza então uma FACULDADE ao sujeito, que poderá ou não agir, e que estará ciente de que se agir, não será punido.
Para Mirabete, “a excludente pressupõe no executor um funcionário ou agente público que age por ordem da lei, não se excluindo o particular que exerça função pública (jurado, perito, mesário da Justiça Eleitoral etc.). Estão abrigados pela justificativa o policial que cumpre um mandado de prisão, o meirinho que executa o despejo e o fiscal sanitário que são obrigados à violação de domicílio, o soldado que executa por fuzilamento o condenado ou elimina o inimigo no campo de batalha etc. Agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo, controlar a perturbação da ordem pública etc.).”
Alguns doutrinadores afirmam que o exercício regular de direito nada mais é do que uma conduta autorizada por lei, tornando lícito determinado fato típico.
Consta do artigo 23 do CP:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
(...)
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Causas Supralegais

Dentro das causas excludentes, existem algumas que não constam na legislação penal, e que por isso são chamadas causas ‘supralegais’.
Há casos em que há a exclusão da culpabilidade, que é o caso da inexigibilidade de conduta diversa, e outros em que há a exclusão da ilicitude, como o consentimento do ofendido, que é o tema deste trabalho.
É admitido dentro do ordenamento brasileiro tal causa, a qual trata-se de consentimento do ofendido em sofrer tal dano. Para que possa efetivamente haver o consentimento, é necessário que sejam preenchidos alguns requisitos:
·                   Tem que haver na discussão bem jurídico disponível;
·                   Capacidade para consentir;
·                   Anterioridade do consentimento;
·                   Atuação nos limites do consentimento.

Segundo Zitelman, que construiu sua teoria embasado nos §§ 182 e ss do Código Civil Alemão, o consentimento do ofendido é uma espécie de negócio jurídico, tendo em vista que cada um pode, dentro de certos limites, permitir determinadas atitudes com relação a seu bem (Teoria do Negócio Jurídico).
Se o consentimento for entendido, portanto, como negócio jurídico, haverá assim a excludente, por o ato ilícito ter sido aceitado pelo suposto “ofendido”.
Pode-se entender, então, que o bem jurídico ofendido já não possui “tanta importância” ao seu titular. Logo, não há que se falar em ilicitude, já que o fato típico não deixa de existir, mas a antijuridicidade não está presente, pois o suposto ofendido concordou que tal fato fosse praticado.
Não se pode esquecer ainda que deve haver certa ponderação com relação ao valor do bem cedido.
Numa segunda linha sobre o tema, há a ideia de renúncia do ofendido em obter a proteção do Direito Penal, quando ele permite tal ofensa, e não quer vê-  -la punida.
Pressupondo o abandono do bem em questão, o Estado deixaria de ter o jus puniendi por puro desinteresse, numa terceira tentativa de justificar a existência desta causa como excludente.
São citados ainda, por Flávio Augusto Monteiro Barros outras excludentes, as quais seriam: o Princípio da Adequação Social, Princípio do Balanço dos Bens e o Princípio da Insignificância ou Bagatela.
Este último tem sido aceito em nossa jurisprudência, e leva em consideração o valor do bem, analisando a proporcionalidade do dano sofrido pelo ofendido e a pena que deveria ser imposta.
Ou seja, pode-se dizer que atualmente estão sendo aceitas as excludentes de antijuridicidade que sejam supralegais no ordenamento jurídico brasileiro.

Diferenciações

Excludentes
Legítima Defesa
Estado de Necessidade
Estrito Cumprimento de Dever Legal
Exercício Regular de Direito

agressão Injusta
perigo não provocado voluntariamente pelo agente
o agente está obrigado a agir, porque a lei assim impõe
o agente age praticando fato típico, mas não ilícito porque a lei o permite

atual ou iminente
atual
fato típico mas não antijurídico
deve obedecer os limites impostos

moderação nos meios de defesa

consciência de que está agindo em legítima defesa
consciência de que está agindo em estado de necessidade
deve respeitar os limites ao seu cumprimento


direito próprio ou alheio
direito próprio ou alheio



reação
ação
obrigação
FACULDADE


 No sistema jurídico Brasileiro admitem-se causas excludentes de ilicitudes não previstas em lei? Fundamente sua resposta, indicando todas as posições doutrinárias sobre o tema.

Sim, embora haja uma discussão acerca da validade de tais justificantes, tendo em vista o fato de termos um ordenamento jurídico positivista, que exigiria, portanto, a existência da excludente (atualmente supralegal) dentro do sistema.
Mesmo com tais discussões, e até mesmo o uso escasso de tais exculpantes, elas se encontram presentes no ordenamento.
A causa excludente supralegal que temos presente em nosso dia-a-dia é o consentimento do ofendido, tema já citado e explicado supra, e que é vastamente confundido com o exercício regular de direito.
A faculdade dos dois fatos é o que acaba fazendo ser confundido.
Consentir é uma faculdade. Se o consentimento tiver como corolário um bem jurídico disponível não há que se falar em ilicitude. Quando um exercício de direito tem raiz no direito penal, o fato pode ser ilícito na esfera extrapenal, embora não seja ilícito punível.
Destarte, como foi mostrado, se o consentimento estiver sendo empenhado sob bem jurídico disponível exclui-se a ilicitude. Não seria razoável que A permitisse que B adentrasse em sua residência e após uma discussão A acusa B de violação de domicílio. O consenso não pode ser aplicado a crimes contra a vida, liberdade, honra e administração pública.
José Frederico Marques diz:
“Quando surge o consenso, em relação a determinados bens deixa de subsistir a situação de fato em relação à qual deve entrar em vigor a norma penal, o que acontece naqueles casos em que o interesse do Estado não seja tão que prescinda da vontade do particular. É que, em ocorrendo tais situações, o interesse público do Estado não pode exigir mais do que isto: que os bens individuais não sejam atingidos contra a vontade de respectivos sujeito  O interesse estatal de identifica com a conservação de bens individuais enquanto seta corresponda à vontade do titular; consequentemente esses bens não podem ser tidos como lesados quando o respectivo sujeito manifestou sua vontade em sentido favorável à lesão.”
(...)
“A disponibilidade ou indisponibilidade do bem jurídico é problema que se resolve em face dos mandamentos, princípios e regras da ordem jurídica total, inclusive o direito costumeiro.”

Questão: Responsabilidade Civil e Administrativa por fato criminal.


 José, policial militar, foi absolvido no Tribunal de Juri por ter praticado o fato em legítima defesa. A decisão do campo penal afasta também a responsabilização civil e a administrativa do policial? Fundamente sua resposta.
Observe o conceito de José Carlos Gobbis Pagliuca:

“A exclusão de antijuridicidade não implica o desaparecimento da tipicidade e deve-se falar em ‘conduta típica permitida’. Daí por que ser inerente às causas de exclusão da antijuridicidade o desaparecimento de quaisquer conseqüências jurídicas, quer no campo penal, civil, administrativo ou outro qualquer.”
Isso quer dizer que se o agente que cometeu o fato acobertado por um dos excludentes de antijuridicidade, ele também estará livre da responsabilidade administrativa e civil.
De acordo com o regulamento disciplinar da PM do Estado de São Paulo, as causas justificativas de transgressão são:
 “I-motivo de força maior ou caso fortuito, plenamente comprovados;                   
II–benefício do serviço, da preservação da ordem pública ou do interesse público;
III-legítima defesa própria ou de outrem;
IV–obediência a ordem superior, desde que a ordem recebida não seja manifestamente ilegal;
V–uso de força para compelir o subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, no caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública ou manutenção da ordem e da disciplina”.
Ou seja, se um militar, no exercício de sua função constitucional, vier a praticar uma transgressão ao código disciplinar e esteja amparado pelas causas excludentes, ele não sofrerá sanções tanto no campo penal militar, penal, administrativo e civil.

Conclusão


O presente trabalho contribuiu e muito na compreensão das características e diferenciações existentes entre as excludentes de ilicitude, bem como compreender os casos e aplicações práticas de cada uma.
Na realidade, apesar de sabermos da dificuldade existente em ser devidamente comprovada a existência de tais causas, há de se convir que um bom profissional do Direito deve conhecer de todas as teorias e a melhor forma de aplicação de cada uma delas, tendo em vista que a qualquer momento pode ser utilizada em casos esporádicos.

Referências Bibliográficas


MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 3ª edição.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 12ª edição. Volume 1.
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 
JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal – 1º volume – Parte Geral. 18ª edição.
ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 6ª edição.