segunda-feira, 26 de março de 2012

Circunstâncias Judiciais

Conceito Geral

Primordial se faz estabelecer o que são circunstâncias judiciais. Trata disto o art. 59 do nosso Código Penal, ipsis litteris:
“Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
(...)”
Segundo o Dicionário Michaelis Online, circunstância, em sentido relativo ao Direito, motivo ou fato que, acompanhando, seguindo ou precedendo um crime ou delito, o agrava ou atenua.
Vamos tratar especificamente das circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas. Nelas, o fato é exatamente o mesmo, não muda. O que muda são os fatores que o envolvem, que o torna mais grave ou menos grave, de acordo com uma análise do ponto de vista sociológico. Não compõe o fato, é externa a ele.
Portanto, pode-se dizer de circunstância as “condições” gerais de execução de um crime, que influenciarão na fixação da pena, que é feita, também, a partir de uma valoração das circunstâncias. Estas podem ser atenuantes ou agravantes, e veremos mais detalhadamente sobre cada uma delas adiante.


Circunstâncias Agravantes (art. 61 e 62, CP)


Para compreender de que se tratam os artigos 61 e 62, vamos analisá-los linha a linha, palavra por palavra, conforme se fizer necessário a um correto entendimento.
Circunstâncias agravantes
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
A reincidência consiste em o agente cometer novo crime após o trânsito em julgado de sentença condenatória de crime anterior. Este conceito encontra-se no art. 63 do Código Penal, e é uma das causas de aumento da pena.
Sobre este assunto, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Furto simples. Autoria e materialidade do fato comprovadas. Réu confesso. Crime consumado. Penas-base fixadas acima do piso mínimo. Acréscimo justificado pelos maus antecedentes. Reincidência e confissão espontânea configuradas. Compensação. Possibilidade. Precedentes. Regime prisional inicial fechado que decorre da reincidência e dos maus antecedentes. Recurso parcialmente provido. (grifo meu)

II - ter o agente cometido o crime:
a)    por motivo fútil ou torpe;
Por motivo fútil, entende-se um motivo desproporcional, insignificante, que não deveria ter causado um efeito com tal gravidade, a partir do ponto de vista de um homem médio. Ou seja, somente será reconhecido motivo fútil quando claramente demonstrado.
Já o motivo torpe trata-se de motivo “ofensivo à moralidade média e ao sentimento ético comum”, conforme explicita Fernando CAPEZ (2007). Em outras palavras, são motivos “desonestos”, que ofendem a moral, de forma geral. São exemplos: a maldade, ambição, egoísmo etc.
São exemplos destes casos:
a.    Por motivo fútil: o agente que agride o vendedor da loja por não ter o produto que ele procura.
Vejamos a decisão:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO  HOMICÍDIO QUALIFICADO   MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO - PRONÚNCIA   MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS  QUALIFICADORAS COMPATÍVEIS COM AS CIRCUNSTÂNCIAS REVELADAS PELA PROVA  RECURSO IMPROVIDO. (grifo meu)

b.    Por motivo torpe: agredir o idoso por sentar na última cadeira que restava no local.

b)    para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
Esta hipótese é autoexplicativa, e o que pode-se dizer a respeito é que no caso de homicídio doloso, essas espécies de conexão constituem qualificadoras e não apenas agravantes, o que modifica no momento da aplicação da pena.
Exemplo disto é de quando o agente, visando ocultar a prática de um homicídio para obter impunidade, esconde o cadáver.

c)    à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
A traição é a quebra de confiança que a vítima depositava no réu, que se caracteriza pelo ataque inesperado, em razão desta fé de que gozava o autor do crime.
Emboscada tem um conceito que acaba englobando a traição, de certo modo, por caracterizar-se por um sujeito que se esconde, premeditadamente, visando atacar a vítima de surpresa. Exemplo: o agente se esconde esperando que a vítima passe, para que ele possa atacá-la de surpresa e matá-la, e ela não tenha como se defender.
Sobre a dissimulação pode-se falar que é a ocultação da vontade ilícita, em que a vítima não tinha nenhum motivo para desconfiar do réu.
Quanto aos demais recursos expostos na alínea, podemos dizer que trata-se de formulação genérica, visando englobar todas as situações que possam ser interpretadas através da analogia, utilizando, como fator central, a surpresa, verbi gratia.

d)    com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
Trata esta alínea das causas que trazem sofrimento à vítima, e revelam uma crueldade desmedida por parte do agressor. Como causa sofrimento e este meio é menos aceito socialmente, é causa de aumento da pena.
Exemplo: utilizar de explosivo para facilitar um furto.

e)    contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
Ou seja: aplica-se quando praticado contra ascendentes (pai, mãe e qualquer outro parente de geração anterior), descendentes (filhos e qualquer outro parente de geração posterior), irmão ou cônjuge (em que há uma discussão se deve ou não aplicar este dispositivo aos casos de ataque a companheiros em união estável).
Exemplo: o caso do jovem que assassina a mãe.

f)     com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
A autoridade neste caso diz respeito às relações privadas, não públicas. Temos uma explícita citação do caso da violência contra a mulher, a violência doméstica, fazendo, também, alusão à lei específica, qual seria a Lei 11.340/2006.
Exemplo disto é a violência doméstica contra a mulher, num ato de abuso do seu poder familiar.

g)    com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
O cargo ou ofício, para caracterizar abuso de poder, devem ser públicos. Caso não sejam, não caracterizam. Há que se lembrar que existem casos em que o abuso de poder caracterizam elementar do crime, como quando acontece, por exemplo, o crime de concussão, descrito na Lei 4.898/65, a chamada Lei de Abuso de Autoridade.
Um exemplo é a autoridade que coage alguém, mediante grave ameaça, para que não o denuncie por outro fato.

h)    contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida.
Para os efeitos desta alínea, considera-se criança a pessoa de até 12 anos não incompletos, conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Lei 10.741/03, Estatuto do Idoso, trouxe uma alteração a este artigo. A palavra “velho” foi substituída “maior de 60 anos”.
A condição de enfermo acentua a impossibilidade de defesa da vítima, e a mulher grávida foi incluída em meados da década de 1990. Ex: assalto a mulher grávida.

i)      quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
Este trecho trata de quando a vítima já se encontra sob tutela do Estado. Um exemplo típico é quando a vítima está cumprindo pena em um presídio, e está sob os cuidados do Estado. Se sofrer algum tipo de ataque dentro do estabelecimento prisional, o agressor deverá ter o gravame cometido considerado na aplicação da pena. Ex: um preso que é morto dentro da cadeia por outro.

j)      em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
Quando se fala em incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, fica explicito que o agente está se utilizando das facilidades trazidas, por tais condições, à prática do crime. Ex: aproveitar que o inimigo está se afogando e empurrar ele para baixo para que afunde de uma vez.

k)    em estado de embriaguez preordenada.
Quando o agente se embriaga já visando cometer o crime. Como se fosse para “criar coragem” para a sua prática. Exemplo disto é sujeito que queria acertar as contas de uma briga antiga e acaba bebendo para criar coragem para ir até lá e matar o seu rival.
Agravantes no caso de concurso de pessoas
O concurso de pessoas caracteriza-se pela execução de um crime, por duas ou mais pessoas, estando uma ciente da conduta e da intenção da outra.
Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
Este inciso trata especificamente do autor intelectual do crime, tratando com maior gravidade em relação ao executante da ação criminosa. Pode-se considerar aquele que se enquadra neste artigo aquele que planeja uma situação, e depois, “arrebanha” os seus comparsas para efetuar a prática.
Ex: o agente planeja que o seu inimigo seja morto através de uma encenação de um latrocínio. Ele arquiteta como se darão os fatos e depois paga a algumas pessoas para que executem o seu plano.
II - coage ou induz outrem à execução material do crime;
Neste caso, trata-se da ação de utilizar de violência ou qualquer forma de coação em relação a outra pessoa, visando que esta pratique um ato delituoso. Também se enquadra neste inciso aquele que instiga alguém, para que aquele pratique um crime.
Exemplo: coação moral irresistível e autoria mediata.
III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;
Instigar significa “estimular”, ou seja, há uma ideia pré-existente, e outra pessoa estimula aquele a executá-la. Já determinar significa que o praticante estivesse sob a autoridade do determinante, sendo que este lhe impõe que aja de tal maneira. Ex: instigar uma criança mental a matar alguém.
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
Nesta condição, enquadra-se o autor ou partícipe que execute um crime em troca de algum pagamento ou por conta de alguma promessa. Não é necessário, segundo Fernando Capez, que a recompensa seja efetivamente recebida. Ex: agente que comete homicídio porque prometeu a um terceiro que mataria o inimigo deste se lhe fizesse um favor.

Circunstâncias Atenuantes (art. 65 e 66, CP)


Sobre as circunstâncias atenuantes, pode-se dizer que, segundo o próprio nome já traz, que atenuam a gravidade de um crime, e trazem o benefício da possibilidade de redução da pena do acusado.
Vejamos:
Circunstâncias atenuantes
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
O fato de o agente ter, obrigatoriamente, 21 anos, refere-se à maioridade penal. Esta maioridade somente será provada mediante apresentação de certidão de nascimento. O que muda se o agente tiver entre 18 e 21 anos? O legislador, considerando os jovens que encontrarem-se nesta faixa etária com pouca experiência de vida, decidiu tratá-los de forma mais amena.
Já sobre a idade de 70 anos, na data da sentença, diz respeito à data da sentença proferida tanto na primeira quanto nas demais instâncias do judiciário.
Ex: o assaltante que tem 70 anos na data da prolação da sentença.
II - o desconhecimento da lei;
Neste caso, devemos lembrar do que traz a LICC, em seu artigo 3º, que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” Mas o nosso Código Penal permite que, em sendo alegado desconhecimento, pode haver sim uma diminuição da pena a ser aplicada.
Exemplo: Lei 5904/06, que trata do uso de cães-guia pelos deficientes visuais.
III - ter o agente:
a)    cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
Esta é a hipótese de o autor ter praticado um crime por relevante valor moral – que é quando é por conta de seu próprio interesse subjetivo –, enquanto valor social refere-se a motivo que tenha importância à moral coletiva.
Exemplo de relevante valor moral pode ser a agressão a alguém por conta de defesa da sua honra.
b)    procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
Tal fato, apesar de bastante semelhante ao arrependimento eficaz, em que o agente consegue evitar o resultado do crime, temos este que pode ser chamado de arrependimento-atenuante, uma vez que não consegue evitar o resultado, mas por conta de seu arrependimento, e de medidas por ele tomadas, ele pode ter diminuições em sua pena.
Em havendo medidas efetivas de reparação ao dano causado até o recebimento da denúncia ou da sentença, cabe a redução da pena por arrependimento posterior.
Exemplo disto é o agente que procura
c)    cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
Neste caso, temos um agente que, em sendo inferior hierarquicamente ao que o coagiu, e que, não sendo manifestamente ilegal, acarreta a exclusão da culpabilidade. Se a ordem for legal, o estrito cumprimento do dever legal exclui a antijuridicidade do ato. Já se a ordem for manifestamente ilegal, o juiz pode, ainda assim, aplicar atenuante, tendo em vista a dificuldade do subordinado em evitar o cumprimento de ordens de seus superiores. Esta é a explicação trazida por NUCCI (2007). Ex: o chefe que ordena que seu funcionário que não entregue as notas fiscais todas, configurando crime fiscal.
d)    confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
A confissão, anteriormente chamada de “rainha das provas”, ocasiona a redução na pena. Deve ser espontânea, sem necessitar da sugestão de outrem.
Exemplo: o agente que comete um furto e segue até a delegacia e confessa a autoria.
e)    cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
Conforme as palavras de Fernando Capez, “ainda que a reunião da qual se originou o tumulto não tivesse fins ilícitos, se o agente não lhe deu causa, tem direito à atenuação.”
Um bom exemplo desta situação é do agente que, estando participando de uma passeata pacífica, que devido a alguns membros desta que insultaram a polícia, encontra-se no meio de um tumulto, com correria, empurrões etc. A multidão toda correndo e, sem que todos percebam, uma das pessoas que estava participando, cai no chão e é pisoteada por todos, até a morte. Neste caso, aquele agente primeiro citado, terá o direito de atenuação da sua pena.
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.
Esta é mais uma previsão legislativa genérica que abrange a todas as demais possibilidades de atenuação da pena, que não estejam previstas em lei, mas que o magistrado, no momento da aplicação da pena, considere relevante.

Conclusão
Neste trabalho, pudemos compreender mais a fundo sobre as características de cada uma das circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas, através de leituras, videoaulas, consultas a dicionários, exemplos práticos. Consultas jurisprudenciais também foram utilizadas e muito úteis à compreensão.
São circunstâncias todos os fatores que envolvem o crime, sendo consideradas de duas espécies: agravantes e atenuantes.
Circunstâncias agravantes são aquelas que têm valoração mais grave àquela prática, e que, portanto, merecem uma pena maior.
Já as atenuantes são o contrário, que por sua valoração mais branda, tem sua pena menos gravosa.
Portanto, as circunstâncias são fatos que não compõem o fato típica e que são imprescindíveis a uma majoração ou minoração na pena.


Referências
CAPEZ, Fernando Capez et al. Código Penal Comentado. Ed. Verbo Jurídico. 2007.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal.  1º volume – Parte Geral. Ed. Saraiva.
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2007.
Dicionário Michaelis Online (http://michaelis.uol.com.br/) - consulta em 24/09/2011