Nos processos penais, é sempre
certo que seja alegado pelo agente a exclusão da ilicitude do fato, ou até
mesmo da sua culpabilidade.
É sabendo disto que será feito
esse estudo acerca da extinção da ilicitude do fato, acompanhado pelo Código
Penal, e seus artigos 23 a
25, que tratam da matéria.
Excluir a ilicitude de um fato
não significa excluí-lo ou apagá-lo, até porque não seria possível, quanto
menos ignorá-lo. Significa simplesmente que ele deixará de ser ilícito, e será
então aceito.
Com base no breve conceito supra
é que será desenvolvido o presente trabalho, não esquecendo de sempre
exemplificar, e apresentar as respostas às questões propostas na sala de aula
para resolução.
Boa leitura!
Causas Excludentes de
Ilicitude
Conceito Básico
São chamadas de causas
excludentes de ilicitude aquelas que “excluem o crime”, ou seja, quando ocorre
uma contrariedade entre o que determina o ordenamento jurídico e o fato, em
razão de a sociedade aceitar esse tipo de conduta.
Para que possamos compreender
melhor os conceitos aqui passados, temos, primordialmente, que ler o artigo 23
do CP, o qual elenca os tipos de causas excludentes, que serão estudadas uma a
uma a seguir:
Art.
23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I
- em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou
no exercício regular de direito.
Podemos resumir o conceito de
excludentes dizendo que é o que ocorre quando, ao praticar um ato típico
considerado antijurídico, tal antijuridicidade é excluída em virtude de
enquadrar-se nos casos descritos no art. 23 e subsequentes, pelo simples motivo
de o ordenamento aceitar tais práticas, sendo consideradas, então, legais.
Descritos nos artigos 23, 24 e
25 do Código Penal, sendo que no artigo 23 encontram-se descritas de forma
genérica quais são as causas excludentes, e o exercício regular do direito e
estrito cumprimento do dever legal. Já o artigo 24 traz detalhadamente como se
dá o chamado estado de necessidade, enquanto o artigo 25 traz a legítima
defesa. Veremos a seguir mais sobre cada tipo.
Parágrafo único - O
agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso
ou culposo.
Não se pode esquecer, ainda, do
parágrafo único do artigo, tendo em vista que ele condena toda e qualquer
prática que possa ser considerada abusiva.
Assim sendo, se o agente que
praticar o fato típico não tiver certa moderação na hora de praticá-lo ou de
escolher os meios para tanto, ele estará agindo em excesso, e não será aceita a
alegação de excludente de antijuridicidade.
Estado de necessidade
Art. 24 - Considera-se
em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio
ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade
quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º -
Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá
ser reduzida de um a dois terços.
Segundo o
artigo supra, o Estado de necessidade ocorre quando o agente comete um fato
típico para salvaguardar de perigo atual e inevitável o perigo juridicamente
protegido.
Tal fato pode
ser cometido para proteger direito seu ou de terceiro, e que a respeito do bem
sacrificado, não era razoável exigir-lhe conduta adversa da que teve.
Para que seja
efetivamente caracterizado o Estado de Necessidade, é necessário que haja
perigo, e que este não tenha sido provocado voluntariamente pelo agente. Ainda
há que se falar em perigo atual, e não iminente.
O Princípio da
Proporcionalidade na aplicação do estado de necessidade existe na questão de
que não pode o agente agir contra um bem maior para salvaguardar outro menor –
ex: para salvar sua mala, ele joga a outra pessoa de dentro do barco. Além, é
claro, de estar agindo em plena consciência, como exigido na Legítima Defesa.
Segundo o
parágrafo 1º do artigo em questão, o estado de necessidade não pode ser alegado
por quem tenha a obrigação de enfrentar o perigo.
Numa breve
diferenciação, podemos afirmar que esta excludente caracteriza-se por uma AÇÃO.
Jurisprudência:
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
15a Câmara de Direito Criminal
Apelação n° 990.10.105855-3
Comarca: São Bernardo do Campo
Apelantes: Jefferson Ferreira dos Santos
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Voto n° 2167
APELAÇÃO - FURTO - CONFISSÃO - ESTADO DE NECESSIDADE OU FURTO FAMÉLICO - HIPÓTESE QUE NÃO
SE ENQUADRA NA DEFINIÇÃO DO ART. 24, DO CÓDIGO PENAL - USUÁRIO DE DROGAS QUE
VENDEU MERCADORIAS FURTADAS PARA ANGARIAR RECURSOS ALMEJANDO O SUSTENTO DO
VÍCIO - RECURSO IMPROVIDO. Não se constata o
estado de necessidade o ocorrência de furto
famélico, uma vez que o acusado é usuário de drogas e se evidencia que utilizou
o lucro obtido com a venda das
mercadorias para a aquisição de substâncias entorpecentes.
Vistos.
Pela r. sentença de fls. 125/131, o réu Jefferson
Ferreira dos Santos foi condenado como incurso no art. 155, incisos I, do
Código Penal, ao cumprimento da pena de l(um) ano, substituída por prestação de
serviços à comunidade pelo mesmo prazo e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa,
fixada em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente à época do fato. Foi
fixada a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), referente
à reparação de danos causados à vítima. Apela o réu
(fls. 137/140), sustentando que é dependente químico, agindo sem plena
consciência, prova disso é a sua internação em instituição de reabilitação de
drogas; dever ser reconhecido o crime como furto famélico. Contrariado o
recurso (fls. 142/144), subiram os autos, tendo o douto Procurador de Justiça
opinado pelo não provimento do apelo (fls. 152/154).
É o relatório.
O apelo não comporta provimento.
O réu foi condenado porque, segundo a denúncia, no
dia 30 de janeiro de 2008, por volta das 07 horas, mediante rompimento de
obstáculo, subtraiu 12 panelas, diversas garrafas de refrigerante e algumas
garrafas de bebida alcoólica.
A materialidade delitiva foi devidamente
demonstrada por meio do boletim de ocorrência (fls. 03/04). A autoria também é
certa, haja vista que o réu admitiu a prática do furto (fls. 109/110). Segundo
o réu, morava na rua, embaixo de uma ponte, e passava por necessidades,
adentrou no imóvel da vítima, mediante arrombamento e subtraindo as panelas e
bebidas. Acrescentou que vendeu as panelas e
algumas bebidas, e algumas delas utilizou para consumo (fls. 109).
Segundo a vítima, o imóvel invadido era utilizado
por ele para o preparo de refeições e venda de bebidas. Chegando ao local, no
dia dos fatos, verificou o arrombamento da porta dos fundos do estabelecimento;
constatou, ainda, a subtração de várias panelas,
alimentos e bebidas (fls. 82).
A testemunha Zenildo Trindade da Silva declarou que
presenciou o momento em que o réu se retirava do interior do estabelecimento,
portando um saco, pulando a cerca. Aduziu, ainda, que chegou a argumentar com
Jefferson para desistir da prática delitiva, porém,
respondeu-lhe que seu "negócio era
dinheiro" (fls. 84/85).
Assim, diante de tais provas a condenação se
impunha.
A tese de que o acusado cometeu o delito por estado
de necessidade e ser o furto famélico, não prospera, tendo em vista que o art.
24, do Código Penal, dispõe que:
"considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato
para salvar de perigo atual, que não provocou por
sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito
próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não
era razoável
exigir-se".
E é evidente que o furto não foi por estado de
necessidade, uma vez que entre os bens surrupiados haviam bebidas alcoólicas e
panelas, que não são aptos a saciar a fome; demonstrando claramente seu
objetivo, que era o de angariar fundos para sustentar o vício das drogas. Nesse
sentido:
"O estado de necessidade não justifica, por
si, a
incursão do agente pelo patrimônio alheio, até
porque não é
através do saqueamento, sem repreensão, aos
cabedais de
terceiras pessoas, que se constituirá uma sociedade
mais
justa, com uma melhor distribuição das riquezas
desiguais." (PJD 241/167).
A simples alegação de ser pobre, usuário de drogas
e estar desempregado não assegura ao apelante o direito de cometer o crime e
nem tira o caráter punível do ato praticado.
Logo, como se vê, o liquet foi bem lançado e
a pena corretamente estabelecida, não merecendo reparo a r. sentença da lavra
da ilustre juíza Sandra Regina Nostre Marques.
Apelação Com Revisão n° 990.10.105855-3- São
Bernardo do Campo- Voto n"2167v
Legítima defesa
Retirando a ilicitude do ato
praticado pelo agente, a legítima defesa é o instituto que usa ‘justificar’ a
conduta praticada para repelir injusta agressão.
Também chamado de ‘direito de
defesa’, ocorre quando um agente é agredido – algum bem, não necessariamente a
vida –, e acaba por agredir de volta o agressor inicial, com o intuito de não
ser lesado em seu direito.
Para que seja aceita a teoria,
há de se haver agressão, que deverá
ser injusta, que seja atual ou iminente (prestes a acontecer), e os meios de
defesa deverão ser empregados de forma moderada, proporcional. Além disso, deve
o agente (que vai se defender) ter consciência de que está defendendo a si ou direito
alheio.
Encontra-se descrita no art. 25
do Código Penal:
Art. 25 - Entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Trata-se, portanto, de uma REAÇÃO
a lesão.
Jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL Nº 917.034
- PE (2007/0005766-8)
RELATOR
|
:
|
MINISTRO
JORGE MUSSI
|
RECORRENTE
|
:
|
MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE PERNAMBUCO
|
RECORRIDO
|
:
|
SAMPSON ARAÚJO ALVES
(PRESO)
|
ADVOGADO
|
:
|
LAÉRCIO RIBEIRO DE SOUZA
NETO E OUTRO
|
EMENTA
HOMICÍDIO QUALIFICADO.
TRIBUNAL DO JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA.
ALEGAÇAO. INJUSTA AGRESSAO.AFASTAMENTO. EXCESSO CULPOSO/DOLOSO. QUESITAÇAO PREJUDICADA.
1. Afastada pelos jurados a
indagação de que o acusado repeliu
injusta agressão, elemento essencial da legítima defesa, a quesitação acerca do excesso
culposo/doloso fica prejudicada.
2. Recurso especial
conhecido e provido.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz,
Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o
Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 17 de junho
de 2010. (Data do Julgamento).
MINISTRO JORGE MUSSI
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 917.034
- PE (2007/0005766-8)
RECORRENTE
|
:
|
MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE PERNAMBUCO
|
RECORRIDO
|
:
|
SAMPSON ARAÚJO ALVES
(PRESO)
|
ADVOGADO
|
:
|
LAÉRCIO RIBEIRO DE SOUZA
NETO E OUTRO
|
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI
(Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo
Ministério Público, com suporte no art. 105, inciso III, alíneas a ,
da Constituição
Federal, contra acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco que, à unanimidade, acolheu preliminar
suscitada pela Defesa - erro na quesitação - e, em consequência, anulou o julgamento realizado pelo Tribunal
do Júri da Comarca de Olinda, restando o aresto
assim ementado (fl. 250):
"PROCESSUAL PENAL.
APELAÇAO CRIME. HOMICÍDO DUPLAMENTE
QUALIFICADO. ART. 121, 2º, INCISOS II E IV DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARMENTE,
ALEGA QUE A JUÍZA A QUO INCORREU EM ERRO AO NAO ABSOLVER O
ORA APELANTE, UMA VEZ QUE OS
JURADOS ACATARAM, POR MAIORIA, A
TESE DA LEGÍTIMA DEFESA
SUSTENTADO EM PLENÁRIO. NO
MÉRITO, REQUER A SUBMISSAO A NOVO JULGAMENTO
POPULAR, POR TER O CONSELHO DE SENTENÇA
FORMADO SUA CONVICÇAO EM
DESACORDO AO CONJUNTO
PROBATÓRIO DOS AUTOS. Preliminar acolhida não nos
moldes postos pela defesa do apelante, mas sim no sentido de que seja o ora acusado submetido a
novo julgamento pelo Tribunal do
Júri da Comarca de Olinda-PE, devido ao transtorno ocorrido no ponto referente aos quesitos postos à
discussão em plenário. Decisão
unânime."
Consta dos autos que Sampson Araújo
Alves, ora recorrido, foi denunciado
por homicídio qualificado (motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da defesa). Prolatada sentença
de pronúncia nos termos da exordialacusatória, foi o réu, em 24/08/2004, levado
ao Tribunal do Júri da Comarca de Olinda
e lá condenado à pena de 15 (quinze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no modo fechado.
O Tribunal de Justiça pernambucano, ao
julgar recurso de apelação interposto
pela defesa, à unanimidade, acolheu preliminar de mérito a fim de, reconhecendo erro/equívoco na
quesitação, anular o julgamento realizado pelo júri, determinando-se que o acusado seja
submetida a novo julgamento Popular.
No Especial (fls. 265/280), busca o Parquet demonstrar que o aresto objurgado contrariou os arts. 484, III,
e489,
ambos do Código de Processo Penal, bem como o art. 25 do Código Penal. De início, afirma
que toda a matéria encontra-se
prequestionada na origem. No mérito, sustenta o recorrente que o júri deve responder positivamente não só a
questão da ocorrência da legítima defesa, tese
levantado em plenário, como também cabe ao magistrado indagar acerca de todos os requisitos elencados no art. 25 do Código Penal, a saber: injusta
agressão, atual ou iminente, uso
moderado dos meios necessários. Assevera que, uma vez pronunciada resposta negativa a
qualquer do elementos lá indicado, os demais quesitos
ficarão prejudicados, repelindo-se, por completo, o reconhecimento da excludente de ilicitude.
Aduz com inteligência que a quesitação
acerca do excesso na legítima defesa
(doloso ou culpa) só ocorrerá na hipótese de já reconhecida a legítima de defesa, o que no caso não ocorreu.
Requer, ao fim e ao cabo, o
conhecimento e o provimento do recurso especial
para que seja reformado o acórdão recorrido, podendo, assim, o Tribunal de origem prosseguir no julgamento do
recurso de apelação.
Contra-arrazoado o inconformismo (fls.
286 288), o recorrido, em preliminar,
pugnou, singelamente, pelo não conhecimento da irresignação em virtude da ausência de
prequestionamento e, no mérito, pela manutenção doacórdão recorrido.
Admissibilidade positiva na origem (fls.
291/292), os autos foram remetidos
a este Sodalício, manifestando-se a douta Subprocuradoria-Geral da República pelo improvimento do
recurso. Eis a ementa do parecer (fls. 308/309):
"RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
TRIBUNAL DO JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA. QUESITAÇAO
OBRIGATÓRIA. NULIDADE ABSOLUTA.
Efetivamente, não poderia a
Juíza Presidente do Tribunal do Júri, mesmo
diante da negativa ao quesito relativo à injustiça da agressão, ter considerado prejudicados
os demais, inclusive os concernentes
ao excesso doloso ou culposo, ou de legítima defesa putativa, vez que só assim seria
possível auferir, de forma inequívoca,
a vontade dos jurados a respeito do conhecimento da legítima defesa do paciente na prática
do fato. Precedentes.
Um vez reconhecida a
obrigatoriedade da quesitação quanto aos desdobramentos
da legítima defesa, sua ausência, a teor do disposto
no verber sumular nº 156 do Súmula do Supremo Tribunal Federal, constitui nulidade absoluta.
Parecer pelo conhecimento e
improvimento do recurso."
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 917.034
- PE (2007/0005766-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI
(Relator): Primeiramente, rechaça-se o pleito de não
conhecimento do especial por ausência de prequestionamento,
já que a Corte Estadual examinou devidamente a matériaobjeto do recurso, a ver
pelo seguintes trechos do acórdão recorrido (fls. 251 a 253):
"[...]
Realmente, percebe-se que
houve um equívoco por parte da Magistrada
que presidiu o Júri em comento, uma vez que, embora os Jurados tenham respondido, por
maioria, que o ora acusado agiu amparado
pela legítima defesa, tais jurados também entenderam que o apelante em tela não se defendeu
de uma agressão injusta.Todavia, a retromencionada Magistrada considerou
prejudicados parte dos quesitos
subsequentes, inclusive os que se referiam ao excesso
doloso ou culposo, somente voltando a indagar os Jurados em questão quando dos quesitos
referentes às qualificadoras às circunstâncias
atenuantes do delito em epígrafe.
[...]
Contudo, o fato de os
Jurados terem considerado que a agressão não
foi injusta, não possui o condão de desconfigurar a caracterização da legítima defesa,
pois a agressão precisa ser constituída
de qualquer comportamento humano que lese ou coloque em risco um direito, e a injustiça é
apenas uma das formas deapresentação da agressão. Inclusive, este entendimento
esta em consonância com a
jurisprudência pátria.
[...]
Sendo assim, o equívoco da
Douta Magistrada a quo restringiu-se ao fato
de ter considerado prejudicados os demais quesitos, indo de encontro, inclusive, ao disposto no
art. 484, III,
do CPP, o qual obriga que sejam formulados os quesitos
referentes ao excesso doloso ou culposo,
quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude...
[...]
É justamente neste ponto que
se encontra a contradição, a qual deveria
ter sido solucionada pela Douta Juíza a quo, pois não foi possível aferir qual a intenção clara
e inequívoca dos Jurados, tendo a
Juíza ido de encontro, inclusive, ao disposto no art. 489 do CPP, o qual dispõe, de forma clara, que:
"se a resposta a qualquer dosquesitos estiver em contradição com outra ou
outras já proferidas, o juiz,
explicando aos jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os
quesitos a que se referem tais respostas".
Resta claro, no nosso
entendimento, que não se trata, como quer a Defesa,
de conceder a absolvição do acusado em tela, mas sim de anulação do julgamento ocorrido, a fim
de que seja o ora acusado submetido
a novo julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Olinda-PE, tudo isto devido ao
transtorno ocorrido no ponto referente aos
quesitos postos em discussão."
Por tal razão, rejeita-se a preliminar
arguida pela Defesa. Passa-se à análise
do mérito.
Observa-se que os dois dispositivos do Código de Processo Penal, citados no recurso especial como
contrariados pelo acórdão impugnado (arts. 484, III, e 489), sofreram alteração com o
advento da Lei nº11.689/2008. Depreende-se, portanto, que o julgamento do recurso
de apelação e a interposição do especialocorreu em momento anterior à entrada
em vigor da aludida lei. É cediço que no âmbito
do direito processual penal, quando se fala em aplicação da lei no tempo, vige o princípio do efeito imediato,
representado pelo brocardo latino tempus
regit actum , conforme previsão contida no
artigo 2º do Código de Processo Penal.Portanto,
a análise aqui feita será dos dispositivos vigentes à época do julgamento. A propósito, ei-los:
"Art. 484, III:"se
o réu apresentar, em sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou
circunstância que por lei, que isente de pena
ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes,
imediatamente depois dos relativos ao fato
principal, inclusive aos relativos ao excesso doloso ou culposo, quando reconhecida qualquer excludente
de ilicitude."
"Art. 489:"se a
resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição
com outras já proferidas, o juiz, explicando aos jurados em que consiste a contradição,
submeterá novamente à votação os quesitos
a que se referirem tais respostas."
É cediço que, após a quesitação do fato
principal, deve suceder as teses
defensivas. Consta dos autos que a legítima defesa foi alegada em plenário, daí que, confirmada pelos jurados a
materialidade e a autoria do fato (1º e 2º quesitos),
passou-se a indagar a ocorrência da excludente de ilicitude.
No terceiro quesito, responderam os
jurados, por maioria, que o acusado
praticou o fato em defesa de sua própria pessoa. Na pergunta seguinte (4º quesito), também por maioria, os
jurados afastaram a tese de que o réu defendeu-se
de uma injusta agressão. Daí o entendimento da Juíza Presidente no sentido de que os demais quesitos
acerca da legítima defesa estariam prejudicados.
A pergunta que agora se faz é a
seguinte: deveria a Juíza Presidente prosseguir
nos demais quesitos, mormente aqueles que indagariam acerca do excesso doloso ou culposo?
O Tribunal de Justiça de Pernambuco
decidiu que sim, reconhecendo, portanto,
a nulidade do julgamento popular.
No entanto, tenho eu outro
entendimento.
Para a caracterização da legítima
defesa, há a necessidade dos jurados
responderem afirmativamente a cinco requisitos: (I) o acusado praticou o fato em defesa própria ou de terceiro,
(II) a agressão repelida era injusta, (III) a agressão
era atual e eminente, (IV) os meios utilizados pelo agente para repelir a agressão foram os necessários e (V) os
meios foram usados moderadamente. Ora, uma
vez pronunciada resposta negativa a qualquer uma das três primeiras indagações, o Juiz Presidente do
tribunal do júri julgará prejudicados os demaisquesitos. A indagação acerca do
excesso (doloso ou culposo), só ocorrerá quando negada a necessidade do meio empregado
e o uso moderado dos meios para repelir
injusta agressão.
Neste sentido as lições de Hermínio
Porto:
"Negado o quesito sobre
a necessidade (o que significa entendimento de ter o acusado adotado
ou escolhido meios de repulsa
desnecessários para impedir ou fazer
cessar a agressão, atual ou iminente e injusta, que sofria) e negado o quesito sobre a
moderação (o que significa
entendimento de ter o acusado empregado, ou
usado, de maneira imoderada o meio defensivo escolhido),
resulta entendimento sobre a presença de um excesso
de reação; para o conhecimento da natureza de tal
excesso, se culposo ou se doloso, prossegue a votação
do questionário na seriação referente à legítima defesa para indagação do excesso
culposo, e, se negado o quesito
(...), optaram os jurados pelo excesso doloso, ficando inteiramente afastada a tese
defensiva." (Júri, HERMÍNIO
ALBERTO MARQUES PORTO, 12ª ed., págs.
242/243)
Outro também não é o entendimento de
Alberto Silva Franco, Rui Atoco e
Adriano Marrey:
"Afirmado o 4º quesito, vota-se o quesito sobre a injustiça da agressão. Negado o 4º quesito, fica rejeitada a excludente da legítima
defesa.
Afirmado o 5º quesito
(agressão injusta), passa-se à votação
do 6º, que se refere à "necessidade dos meiosempregados". Se negado o 5º quesito, fica também afastada a excludente de ilicitude. " (Teoria e Prática do Júri, 7ª ed., ALBERTO SILVA FRANCO,
RUI STOCO E ADRIANO MARREY, pág.
563
Tais as circunstâncias, conheço do
recurso especial e dou-lhe provimento
a fim de anular o acórdão recorrido e, em consequência, determinar que o Tribunal a quo prossiga, como entender de
direito, no julgamento da apelação interposta
pela Defesa.
CERTIDAO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Estrito cumprimento do dever legal
Fernando Capez bem conceitua o
estrito cumprimento do dever legal, ao afirmar que nada mais é senão o agente
cumprindo determinada obrigação que lhe é imposta por lei, sendo que pratica
ato dentro dos limites dessa obrigação.
Isso significa que se houver
excesso, assim como nos demais casos de excludentes, não será acatado o pleito
de estrito cumprimento do dever legal.
Neste caso, portanto, a pessoa
está cumprindo uma obrigação que lhe é imposta por lei, mas que esta acaba por
caracterizar um fato típico, mas não antijurídico.
Encontra-se definido no art. 23
do CP, em seu inciso III:
Art. 23. “Não
há crime quando o agente pratica o fato:
(...)
III – em estrito cumprimento de dever
legal...”
Para uma breve
conclusão, pode-se afirmar que a palavra-chave desta excludente é OBRIGAÇÃO.
Jurisprudência:
HABEAS CORPUS Nº 128.103 - BA (2009/0023100-8)
RELATOR
|
:
|
MINISTRO
OG FERNANDES
|
IMPETRANTE
|
:
|
VALTER LEAL MARTINS
|
ADVOGADO
|
:
|
PAULO DE SOUZA FLÔR JÚNIOR
|
IMPETRADO
|
:
|
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DA BAHIA
|
PACIENTE
|
:
|
VALTER LEAL MARTINS
|
EMENTA
HABEAS CORPUS . ROUBO CIRCUNSTANCIADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇAO.
POLICIAL MILITAR. ALEGAÇAO DO
PACIENTE TER AGIDO EM ESTRITO CUMPRIMENTO
DO DEVER LEGAL. REEXAME DE CONJUNTO FÁTICO
E PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. VIOLAÇAO DA AMPLA DEFESA. NAO OCORRÊNCIA. COMPARECIMENTO
DE DEFENSOR AS AUDIÊNCIAS DE
OITIVA DE TESTEMUNHAS.
2. No caso, não há como infirmar, sem rever
todo o contexto das provas, a incidência
da excludente de ter agido o réu no estrito cumprimento do dever legal e, assim, afastar a
condenação pelo crime de roubo.
5. É improcedente a alegação de violação à
ampla defesa quando o paciente,
preso, é requisitado para a audiência de oitiva de testemunhas, além de se encontrar devidamente
acompanhado de defensor. Tese,ademais, não arguida na instância inferior.
6. Ordem parcialmente conhecida e, nessa
extensão, denegada..
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos os autos em
que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente da
ordem de habeas corpus e,
nessa parte, denegá-la, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso
Limongi(Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) e Maria Thereza de
Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria
Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 16 de setembro de 2010 (data do julgamento).
MINISTRO OG FERNANDES
Relator
HABEAS CORPUS Nº 128.103 - BA (2009/0023100-8)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG
FERNANDES: Trata-se de habeas corpus impetrado
em favor de Valter Leal Martins condenado, por roubo duplamente circunstanciado, à pena de 5 (cinco)
anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida
inicialmente em regime semiaberto, além de 13 (treze) dias-multa contra acórdão proferido pela Primeira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,
que deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo paciente, nos termos da seguinte ementa (fl.
79):
APELAÇAO CRIME - ROUBO - DUPLAMENTE
QUALIFICADO - CRIME PRATICADO POR
POLICIAIS MILITARES - APREENSAO DA ARMA
- MOMENTO DA CONSUMAÇAO - PALAVRA DA VÍTIMA - ESTRITO
CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL OU EXERCÍCIO REGULAR
DE DIREITO - INOCORRÊNCIA. I - Assim como as demais excludentes de ilicitude, o exercício
regular de direito ou estrito cumprimento
do dever legal exige que o agente tenha consciência de que age sob essa causa de justificação.
Em face das circunstânciasfáticas evidenciadas, bem como o conjunto probatório
dos autos, afasta-se a aplicação
da pretendida excludente. II - A remoção e retirada do bem da esfera de vigilância da
vítima, ainda que momentaneamente,em consonância com a vertente doutrinária
denominada amotio, - STF (RTJ
135/161), acarreta a plena consumação do delito, sendo irrelevante a apreensão ou entrega posterior da
coisa subtraída. III - Nos crimescontra o patrimônio a palavra da vítima assume
importante valor, ainda mais
quando corroborada com outros elementos fáticos-probatórios. IV - Inquéritos ou ações penais em
andamento não se prestam para configurar
maus antecedentes no momento da fixação da pena-base, em respeito ao princípio da
não-culpabilidade. Redução da pena.
Alega o impetrante, em síntese: I) a
inexistência do cometimento do crime de
roubo; II) a incidência da excludente de ilicitude prevista no art. 23, III,
do Código Penal (estrito cumprimento de dever legal);
III) a violação à ampla defesa, na medida em
que "a defesa foi desconsiderada em todas as fases do processo" (fl.
34), nãotendo o paciente participado "de qualquer audiência, inclusive a
de oitiva de testemunhas de
acusação" (fl. 35); e IV) perseguição e vingança do magistrado local. Requer, ao fim e ao cabo, seja
determinado o trancamento da ação penal, em sua totalidade.
Indeferida a liminar e solicitadas as
informações, foram os autos ao Ministério
Público Federal que, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral Wagner de Castro Mathias Netto, manifestou-se
pela denegação da ordem.
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 128.103 - BA (2009/0023100-8)
VOTO
O SR. MINISTRO OG
FERNANDES (RELATOR): De início, antes da análise das alegações do impetrante,
cumpre-me ressaltar que o presente caso foi objeto
de recurso especial que, inadmitido na origem, ensejou a interposição de agravo de instrumento (Ag nº 1.205.975/BA, de
minha Relatoria) que foi julgado em 17.6.10 ,oportunidade
em que se lhe negou provimento. Tal decisão foi agravada, vindo-me conclusos em os autos em7.7.2010 .
Ou seja, não houve o trânsito em julgado.
As duas primeiras alegações inexistência do
crime de roubo e a incidência de
excludente de ilicitude estão ligadas. Assim, não poderia haver roubo se o paciente estivesse no estrito
cumprimento do dever legal e é, nesse sentido, que se direcionam os argumentos do
impetrante.
Para melhor compreensão dos fatos, extrai-se
da sentença, no que interessa, o
seguinte (fls. 566/567):
Efetivamente, a
prova dos autos mostra que no dia dos fatos narrados
na denúncia, os acusados não estavam fardados e não estavam em diligência policial e, por
outro lado, o fato delituoso foi praticado
no Município de Glória, local diverso do Município de Paulo Afonso, onde os acusados eram lotados
na época. Agiram eles, portanto,
de forma clandestina, invadindo residência alheia, por conta própria, não caracterizando a
ação deles como ato de autoridade e, portanto, não houve o delito de abuso de
autoridade,entendimento esse, aliás, que é sufragado pela jurisprudência de
nossos tribunais:
.................................................................................................................
De referência ao
delito de ameaça, este restou provado nos autos, pois, conforme relatado das
testemunhas, o acusado Valter Leal Martins
ameaçou as vítimas, intimidando-as, objetivando que elasnão prestassem
depoimentos contra Gerôncio Campos Fonseca, denunciado
juntamente com o mesmo Valter Leal Martins no processo
crime nº 07/95, onde eles foram pronunciados por homicídio duplamente qualificado,
praticado contra as vítimas José Manoel
da Conceição e Eliseu Barbosa Fortes Filho .
.................................................................................................................
Quanto ao delito de roubo, por sua vez, o
mesmo resultou provado nos autos,
pois os acusados fazendo o uso de arma de fogo e emprego de ameaça contra as vítimas, com o
concurso de outras pessoas, retirou da posse
da vítima Luiz Carlos da Silva a arma de fogo deste, no interior de sua residência.
.................................................................................................................
Por seu turno, a versão da defesa de que a
arma subtraída da vítima foi entregue
ao Adjunto de Delegado Regional em Paulo Afonso , não encontra apoio na prova dos autos.
Primeiramente, caso o acusado tivesse
a intenção de entregar a arma subtraída da vítima à autoridade policial, deveria ter levado para o
Delegado de Polícia do Município de Glória,
local de residência da vítima, e não para a Delegacia de Polícia de Paulo Afonso. Segundo, os autos do
inquérito policial que instruiu este
processo foi requisitado ao Delegado Especial designado para Paulo Afonso, em decorrência de
desmandos na Polícia Civil daquele Município,
em 08.05.95 e, em 09.05.95 (fls. 05v), o então Delegado Especial, Dr. Manoel Amado Bahia,
determinou que o DelegadoCircunscricional de Paulo Afonso atendesse a
requisição do Dr. Promotor
Público, visando a instauração do inquérito policial pelos fatos noticiados na denúncia. Depois de
concluído o referido inquérito policial, quando
já tinha sido oferecida a denúncia contra os acusados, o Delegado Circunscricional de Paulo
Afonso, em 04.07.95, pelo ofício de fls.
27, encaminhou a este Juízo a arma subtraída da vítima, com o termo de apreensão de fls. 28, datado de
02.05.95, cujo termo foi fabricado pela
autoridade policial que presidiu o inquérito, depois que os acusados foram denunciados, na tentativa de
criar um embuste. Se assim não fosse,
a autoridade policial que presidiu o inquérito policial e o remeteu a este juízo em 24.05.95, teria anexado
o inventado termo de apreensão da
arma.
Do acórdão, que manteve a condenação, merecem
destaque os seguintes excertos
(fls. 80/81):
Os depoimentos testemunhais são uníssonos e
coerentes, coadunando parcialmente
com os interrogatórios dos réus que tentam eximir-se da ilicitude da conduta, demonstrando,
com riqueza de detalhes como se deu
a invasão e a ameaça sofrida por todos que ali se encontravam (...). De igual modo, a oitiva das
testemunhas da defesa não muito ajudou na compreensão
da causa. Três não presenciaram os fatos (...), estas teriam apenas confirmado a entrega da
arma na delegacia. As outras não
se lembram muito do fato, existindo em sua declarações pequenas contradições, tendo inclusive, uma das
testemunhas afirmado que logo em
seguida teria saído da cena do crime.
.................................................................................................................
Do exame do conjunto probatório, de per si,
exclui-se a tese suscitada pela
defesa concernente à prática da conduta no exercício da função de policial na apreensão de uma arma de
fogo de quem a detinha de formailícita.
O exercício regular
de direito contemplado no nosso Código Penal como causa excludente da
antijuridicidade ou da ilicitude provém regularmente
de uma atividade permitida e regulada pelo Estado,mesmo que se apresente algum
risco para quem a exerça ou dela necessite.
Assim, como as
demais excludentes de ilicitude, o exercício regular de direito ou estrito cumprimento do
dever legal exige que o agente tenha
consciência de que age sob essa causa de justificação, ou seja, é preciso que o agente que
praticou a conduta típica tenha atuado
querendo praticá-la, mas com consciência de que cumpria um dever imposto pela lei.
.................................................................................................................
I ndaga-se que o agente, lotado na Companhia de
Paulo Afonso, agiu na cidade de
Glória. Não portava mandado judicial e nem estava em diligência policial. Na hipótese de
ter apreendido a arma, por não ter a vítima
porte legal, aconteceria, naquela ocasião uma prisão em flagrante. Não obstante, não houve
qualquer prisão em flagrante delito,
nem ao menos encaminhamento de qualquer envolvido no alegado "tiro ao alvo" à
delegacia local. Ainda como bem frisado pelo magistrado
sentenciante, uma vez apreendida a arma de fogo, deveria ser levada e entregue à
autoridade competente da cidade de Glória
onde reside a vítima e aconteceu o fato, e não para a cidade de Paulo Afonso.
Ademais, afasta-se a justificativa de não ter
a arma apreendida sido entregue,
logo em seguida, por se encontrar em final de semana, quando o mister de policial obriga a
entrega imediata de qualquer bemapreendido. Noutro lado, cediço que nas
delegacias existem plantões, e se
caso não imaginasse existir naquele momento escrivão para lavratura do auto de apreensão - como
alegou no interrogatório - haveria, no
mínimo, alguém responsável para lavrar qualquer termo de entrega do bem apreendido, por ser porte
ilegal e se tratar de arma de fogo.
Como se vê, na sentença e, também, no
acórdão, todo o imbróglio girou em
torno da alegação de estrito cumprimento do dever legal e, após o amplo exame dos fatos e das provas, a conclusão
das instâncias ordinárias pela configuração do crime de roubo.
Diante desse quadro fático que foi delineado
e que não há como ser modificado
ou contradito pela via eleita não vejo como infirmar, sem rever todo o contexto das provas, se efetivamente
seria o caso de incidir a sobredita excludente e, também, afastar a condenação pelo
crime de roubo.
A jurisprudência desta Corte é uníssona no
sentido de que o trancamento de
ação penal pela via estreita dohabeas
corpus é medida de
exceção, que só é admissível
quando emerge dos autos, de forma
inequívoca e sem a necessidade de incursão
probatória , a existência de
excludente de ilicitude, circunstância nãoconstatada na hipótese.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO. PRETENSAO DE TRANCAMENTO DA AÇAO PENAL. ALEGAÇAO DE EXCLUDENTE
DE ILICITUDE (LEGÍTIMA DEFESA
PRÓPRIA E DE TERCEIROS). IMPROPRIEDADE
DA VIA ELEITA. EXAME QUE DEMANDA REVOLVIMENTO
DO MATERIAL PROBATÓRIO.
1. É sabido que o trancamento da ação penal é
medida de índole excepcional,
cabível apenas nas hipóteses em que desponte, de plano, a atipicidade da conduta, a
inexistência de qualquer elementoindiciário demonstrativo de autoria ou da
materialidade do delito ou, ainda,
causa excludente de punibilidade, não demonstradas na hipótese presente.
2. Além disso, a via estreita do habeas
corpus não se compatibiliza com a
pretensão ora buscada, de reconhecimento da excludente da legítima defesa. A questão há de ser apurada no
bojo da instrução criminal,quando será assegurada a ampla produção de provas.
3. Ordem denegada.
(HC-55.502/CE, de minha Relatoria, DJe de
7.6.10.)
HABEAS CORPUS . PENAL E PROCESSUAL PENAL. PECULATO. PRESCRIÇAO ANTECIPADA.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO
STJ. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇAO PENAL EM RAZAODO RECONHECIMENTO DA
EXCLUDENTE DE ILICITUDE. IMPOSSIBILIDADE.
TIPO DOLOSO. AUSÊNCIA DE PREVISAO LEGAL.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem
aplicado, reiteradamente, o entendimento
de que não é possível o reconhecimento da prescrição "antecipada", ou "em
perspectiva", ou "virtual", considerando-se a pena a ser aplicada no futuro, por não ter
sido albergada pelo ordenamento jurídico
pátrio.
2. O trancamento de ação penal pela via estreita
do habeas corpus é medida de
exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a
necessidade de valoração probatória, a inexistência
de autoria por parte do indiciado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade,
circunstâncias não constatadas na
hipótese.
4. O tipificação do delito de peculato não
possui cunho exclusivamente patrimonial,
objetiva, outrossim, o resguardo da probidade administrativa.
5. Ordem denegada.
(HC-88.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe
de 6.10.08.)
Em relação à alegação de violação à ampla
defesa, consubstanciado na ausência
de defesa efetiva e no fato do paciente não haver comparecido às audiências, o pedido, igualmente
improcede.
Em primeiro lugar, esse fato não foi alegado,
em momento algum no processo e,
consequentemente, não foi analisado nem pelo Juiz e nem pelo Tribunal.
Em segundo lugar, compulsando os documentos
trazidos pelo impetrante verifico
que o paciente, que se encontrava preso em Ilhéus/BA, foi requisitado para interrogatório, que se efetivou no dia
10.11.95 (fl.279), oportunidade em que estavam presentes
o paciente e seu advogado constituído Dr.
Luiz Paulo Damasceno Varjão (fl. 286).
Esse mesmo advogado apresentou defesa prévia
e arrolou 3 (três) testemunhas
(fl. 291).
As audiências foram precedidas de prévia
intimação do seu advogado, consoante
despacho do magistrado à fl. 294:
Designo dia (...) para ouvida das testemunhas
arroladas na denúncia. façam-se
as devidas intimações. Notifiquem-se o MP e o Defensor dos acusados.
Depreende-se dos autos, ainda, à fl. 324, a existência de
documento da autoridade policial
que atesta a apresentação do paciente para a realização da audiência de oitiva das testemunhas e,
no dia 1º.4.96, o referido ato
processual realizou-se com a
presença do advogado que, na oportunidade, participou ativamente da audiência com a formulação de
perguntas .
Assim, com observância estrita da ampla defesa , seguiu-se todo o curso do processo sendo que, na fase
das alegações, foram apresentados memoriais pela
defesa, impugnando, de maneira pontual, a acusação.
Dessarte, não verifico, sob nenhum ângulo, a
ocorrência da alegada nulidade
por violação a ampla defesa.
De mais a mais, havendo a presença do
defensor do acusado, eventual não
comparecimento do próprio acusado na audiência de oitiva de testemunhas o que, repito, não ocorreu constitui
nulidade relativa, consoante jurisprudência desta Corte:
HABEAS CORPUS . ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇAO. NAO
COMPARECIMENTO DOS RÉUS. PRESENÇA
DO DEFENSOR. DEFESA E CONTRADITÓRIORESPEITADOS. EIVA RELATIVA. PREJUÍZO NAO
DEMONSTRADO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL NAO EVIDENCIADO.
1. Consolidou-se na jurisprudência deste
Superior Tribunal de Justiça o
entendimento de que a ausência física do denunciado em audiência de oitiva de testemunhas, na
qual compareceu o seu defensor,
somente é causa de nulidade processual se comprovado o prejuízo oriundo do seu não
comparecimento ao ato, ou seja, cuida-se
de nulidade relativa.
2. Inviável acolher-se a eiva articulada se
não restou demonstrado nos autos
que o ato procedido na sua ausência acarretou prejuízo à defesa, requisito indispensável para o
reconhecimento da mácula segundo oprincípio do pas de nullité sans grief,
positivado no art. 563 do CPP.
.................................................................................................................
4. Ordem parcialmente concedida para
estabelecer o regime semiaberto como
modo inicial de cumprimento da sanção aplicada ao paciente.
( HC-155.113/SP, Rel. Ministro
Jorge Mussi, DJe de 9.8.10.)
HABEAS CORPUS . "OPERAÇAO PLAYBOY". TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS, ASSOCIAÇAO
PARA O TRÁFICO E QUADRILHA.
AUSÊNCIA DE REQUISIÇAO. RÉU PRESO EM COMARCA
DIVERSA. AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS DE
ACUSAÇAO. NULIDADE RELATIVA. NECESSIDADE DECOMPROVAÇAO DE PREJUÍZO.
COMPARECIMENTO DE ADVOGADO
CONSTITUÍDO. VIOLAÇAO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. Segundo o pacífico entendimento desta Corte,
a falta de requisição de réu
preso em comarca diversa para a audiência de oitiva de testemunhas de acusação constitui
nulidade relativa, sendo indispensável
a comprovação de prejuízo.
2. "Não há falar em violação aos
princípios do devido processo legal, do contraditório
e da ampla defesa, pela ausência do réu na audiência de inquirição das testemunhas, uma vez
que exercida de maneira plena pelo
advogado regularmente constituído presente ao ato processual."
3. Ordem denegada.
(HC-79.080/SP, Relator Ministro Arnaldo
Esteves, DJe de 26.5.2008).
Por fim, a alegação de que a condenação do
paciente se deu por vingança ou
perseguição do magistrado não veio amparada com qualquer elemento de convicção que permitisse o seu exame
pela via escolhida.
Por tais fundamentos, conheço parcialmente da
ordem e nessa extensão, a denego.
Exercício legal do direito
No caso do exercício legal do
direito trata-se de uma ação que deve ser praticada pelo sujeito, que consta na
legislação, mas que está caracterizada, se não praticada com as prerrogativas
impostas pelo código, como fato típico E antijurídico – fato esse que se
modifica se se enquadrar na hipótese do art. 23 CP.
São exemplos: o particular que
efetua prisão em flagrante, a coação pra evitar o suicídio ou a prática de
intervenção cirúrgica.
Tais prerrogativas podem ou não
constarem na Lei Penal, pode constar nas leis extrapenais. De qualquer forma,
elas não devem ser desrespeitadas pelo simples fato de não estarem dentro do
Código Penal.
Vale lembrar ainda que a
Constituição traz, em seu artigo 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer
alguma coisa senão em virtude de lei, o que caracteriza então uma FACULDADE ao
sujeito, que poderá ou não agir, e que estará ciente de que se agir, não será
punido.
Para Mirabete, “a
excludente pressupõe no executor um funcionário ou agente público que age por
ordem da lei, não se excluindo o particular que exerça função pública (jurado,
perito, mesário da Justiça Eleitoral etc.). Estão abrigados pela justificativa
o policial que cumpre um mandado de prisão, o meirinho que executa o despejo e
o fiscal sanitário que são obrigados à violação de domicílio, o soldado que
executa por fuzilamento o condenado ou elimina o inimigo no campo de batalha
etc. Agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força
física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa
armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo, controlar a
perturbação da ordem pública etc.).”
Alguns doutrinadores
afirmam que o exercício regular de direito nada mais é do que uma conduta
autorizada por lei, tornando lícito determinado fato típico.
Consta do artigo 23 do CP:
Jurisprudência:
Processo:
|
2008.003261-6
|
Julgamento:
|
09/07/2009
|
Órgao Julgador:
|
Câmara Criminal
|
Classe:
|
Apelação Criminal (Detenção)
|
|
Causas Supralegais
Dentro das causas excludentes,
existem algumas que não constam na legislação penal, e que por isso são
chamadas causas ‘supralegais’.
Há casos em que há a exclusão da
culpabilidade, que é o caso da inexigibilidade de conduta diversa, e
outros em que há a exclusão da ilicitude, como o consentimento do ofendido,
que é o tema deste trabalho.
É admitido dentro do ordenamento
brasileiro tal causa, a qual trata-se de consentimento do ofendido em sofrer
tal dano. Para que possa efetivamente haver o consentimento, é necessário que
sejam preenchidos alguns requisitos:
·
Tem que haver na discussão bem
jurídico disponível;
·
Capacidade para consentir;
·
Anterioridade do consentimento;
·
Atuação nos limites do
consentimento.
Segundo Zitelman, que construiu
sua teoria embasado nos §§ 182 e ss do Código Civil Alemão, o consentimento do
ofendido é uma espécie de negócio jurídico, tendo em vista que cada um pode,
dentro de certos limites, permitir determinadas atitudes com relação a seu bem
(Teoria do Negócio Jurídico).
Se o consentimento for
entendido, portanto, como negócio jurídico, haverá assim a excludente, por o
ato ilícito ter sido aceitado pelo suposto “ofendido”.
Pode-se entender, então, que o
bem jurídico ofendido já não possui “tanta importância” ao seu titular. Logo,
não há que se falar em ilicitude, já que o fato típico não deixa de existir,
mas a antijuridicidade não está presente, pois o suposto ofendido concordou que
tal fato fosse praticado.
Não se pode esquecer ainda que
deve haver certa ponderação com relação ao valor do bem cedido.
Numa segunda linha sobre o tema,
há a ideia de renúncia do ofendido em obter a proteção do Direito Penal, quando
ele permite tal ofensa, e não quer vê-
-la punida.
Pressupondo o abandono do bem em
questão, o Estado deixaria de ter o jus puniendi por puro desinteresse, numa terceira
tentativa de justificar a existência desta causa como excludente.
Jurisprudência:
Dados do
acórdão
|
|
Classe:
|
Apelação Criminal
|
Processo:
|
2008.064495-4
|
Relator:
|
Irineu João da Silva
|
Data:
|
2009-05-20
|
Apelação Criminal n. , de Sombrio
Relator: Des. Irineu João da Silva
CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.
ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA COM 13 (TREZE) ANOS. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. IRRELEVÂNCIA.
EXAME DE CONJUNÇÃO CARNAL. PALAVRAS DA VÍTIMA COERENTES COM OS DEMAIS ELEMENTOS
PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS.
CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes
autos de Apelação Criminal n. , da comarca de Sombrio (2ª Vara), em que é
apelante a Justiça Pública, por seu promotor, e apelado Ronaldo Ferreira:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal ,
por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para condenar
Ronaldo Ferreira, nos termos deste acórdão. Custas legais.
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público
oficiante na Comarca de Sombrio (2ª Vara) ofereceu denúncia contra Ronaldo
Ferreira, como incurso nas sanções do art. 213,
"caput", c/c os arts. 224, a, e 226, II,
todos do CP, pelos seguintes fatos
descritos na proemial acusatória (fls. I/II):
No mês de agosto de 2004, A . da S. Q., que
naquela época contava com 13 ( treze)
anos (vide fotocópia da carteira de identidade à fl. 11), laborou como babá da
filha do denunciado em sua antiga residência, localizada na Rua José Joaquim
Cardoso, 1558, São Pedro, Sombrio/SC.
A infante, iludida pelo denunciado,
acreditou que ele gostava dela, passando a "namorá-lo", relação
reciprocamente correspondida e que se consumava na troca de beijos e abraços.
Em certo dia do mês de agosto, porém, o
denunciado, desejando ir mais longe na relação, constrangeu a vítima, mediante
violência presumida, à conjunção carnal, conforme evidenciado no exame acostado
à fl. 8 dos autos.
Concluída a instrução criminal, a
denúncia foi julgada improcedente, para absolvê-lo, com fulcro no art.386, VI,
do CPP (fls. 94/104).
Inconformado com a prestação
jurisdicional, o Ministério Público apelou, requerendo a reforma da decisão,
para condenar o apelado nos termos da exordial acusatória (fls. 115/125).
Com as contra-razões (fls. 131/137),
nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do
Dr. Demétrio Constantino Serratine, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento
do apelo (fls. 143/146).
VOTO
O recurso interposto pelo representante
do Ministério Público deve ser conhecido, porque próprio e tempestivo,
merecendo provimento.
Pelo que se extrai do processado, o
apelado Ronaldo Ferreira manteve relacionamento com a menor M. da S. Q.,
durante o período em que ela trabalhou em sua casa, inclusa relação sexual,
desvirginando-a.
Nesse contexto, tem-se que a
materialidade do crime de estupro está comprovada pelo auto de exame de
corpo-delito (conjunção carnal), atestando a ocorrência de cópula vagínica,
inclusive, com a ruptura do hímen (fl. 8).
Na fase policial, o acusado reservou-se
no direito de prestar declarações somente em juízo (fl. 18), e, perante o
magistrado, negou a autoria, alegando que, na época em que A. trabalhou em sua
residência, namorava uma prima dela, de 23 ou 24 anos. Disse, ainda, que,
seguidamente, via rapazes nas proximidades de sua casa e que um deles foi visto
por sua filha beijando a ofendida, não sabendo porque estava sendo acusado (fl.
50).
Por sua vez, a vítima, M. da S. Q., em
todas as oportunidades em que prestou declarações (quatro vezes), confirmou o
relacionamento amoroso com o acusado, contando que, durante o período em que
trabalhou na casa do réu, eles mantiveram relação sexual e que isso nunca havia
ocorrido com outra pessoa, tampouco teve namorados. No mais, falou que se
apaixonou por Ronaldo e que cedeu diante de sua insistência para fazerem sexo,
contando, em detalhes, como o crime ocorreu, inclusive, que sangrou e sentiu
dor (fls. 12, 17, 38 e 65).
A par dessas declarações, têm-se,
ainda, os dizeres do pai da adolescente, contando que, em 20.4.2004, recebeu
três telefonemas anônimos de rapazes que diziam que o réu havia confidenciado
que transou com a vítima. Então, pressionou a filha e ela admitiu que manteve
relação sexual com o acusado enquanto trabalhou na casa dele, chamando a
conselheira tutelar para orientá-los (fls. 16 e 63).
A Conselheira Tutelar Cirlei Aparecida
da Silva acompanhou a menor para fazer o exame de conjunção carnal e disse que,
nessa ocasião, a vítima contou que viveu um romance com Ronaldo e eles
mantiveram relações sexuais, sendo que terminaram o relacionamento porque ele
voltou a conviver com a esposa (fls. 13 e 64).
Por sua vez, a conselheira Dilane
Freitas afirmou que a ofendida disse que o réu forçou um pouco a realização do
coito, o que ocorreu uma só vez, acreditando que ela, certamente, teria mantido
outras relações sexuais, mas não quis comentar o assunto porque estava na
presença dos pais. Por fim, consignou que a menor somente revelou os fatos
porque seu pai recebeu telefonemas anônimos (fl. 14).
A informante Taíse de Quadros, prima da
ofendida, disse que ela revelou que manteve relação sexual com Ronaldo e nunca
a viu com namorado, pois seu pai era bastante rigoroso (fl. 39).
Como se vê, não obstante a negativa do
réu, o delito restou plenamente configurado, não só pelas palavras enfáticas da
ofendida, como, também, pelo laudo pericial, o qual constatou a conjunção
carnal, não pairando dúvidas sobre a conduta ilícita praticada pelo apelado.
Todavia, o ponto em questão é a
existência de consentimento da vítima, o que fez com que o réu fosse absolvido,
sustentando o magistrado que a ofendida já era uma adolescente, com maturidade
sexual, anuindo para a prática das relações sexuais, e que ela apenas trouxe os
fatos à tona por vingança, porque o réu a abandonou, descaracterizando o crime
de estupro, já que se trata de presunção relativa de violência.
No entanto, na espécie, o fato de
existir consentimento é totalmente inócuo, dada a idade da ofendida (13 anos),
consoante comprova a Carteira de Identidade de fl. 11, circunstância,
inclusive, conhecida do acusado.
"Data venia" de entendimento
contrário, em matéria de violência ficta, por ser a vítima menor de 14 anos,
como no caso, não há que se cogitar da real coação ou constrangimento, pois o
próprio legislador quis se considerasse como havida violência contra aqueles
sujeitos elencados no art. 224, alíneas a, b, e c, exatamente pela condição de
inferioridade física, emocional e de autodeterminação que lhes é inerente.
Sabido é que a doutrina empresta valor relativo, e não absoluto, à presunção,
podendo esta ceder se, por exemplo, a menor tinha vida desregrada, ou outra
condição que levasse o agente a pressupor que seu comportamento implicasse
livre arbítrio sobre os atos praticados. Mas tal não alcança a situação em apreço. Querer
desconstituir a incapacidade da criança para perceber os contornos luxuriosos
do relacionamento, atribuindo-lhe responsabilidades pelo envolvimento
libertino, é pretender tenha uma menina de 13 (treze) anos capacidade para
constituir uma relação amorosa, com suas implicações sexuais, coisa que muitos
adultos têm dificuldade de fazê-lo, a contento.
É da natureza infanto-juvenil, sobretudo,
feminina, idealizar, com romantismo, o relacionamento afetivo, projetando, na
esfera das fantasias, um ideal de parceiro, uma vida repleta de sonhos. Mesmo
entre as jovens oriundas das camadas mais desfavorecidas da população essas
fantasias são recorrentes e servem, no mais das vezes, como subterfúgio para
atenuar a dura realidade em que vivem.
Da jurisprudência:
O consentimento da menor de 14 anos não
tem relevo, nem pode elidir a configuração do crime de estupro. Irrelevante,
também, partir ou não da vítima a iniciativa ou provocação para o ato sexual. A
menos que se trate de pessoa de vida inteiramente dissoluta, a presunção de
violência prevalece, porque o consentimento da menor não se pode ter por
consciente e válido, traduzindo um querer espontâneo, livre e cabal (RJTJSP
4/303).
E, desta Corte de Justiça:
CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL -
ESTUPRO - CONFISSÃO DO RÉU E PALAVRA DA VÍTIMA - PROVA SUFICIENTE PARA A
CONDENAÇÃO - VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE - VIOLÊNCIA PRESUMIDA -
CONSENTIMENTO DA OFENDIDA - IRRELEVÂNCIA - "INNOCENTIA CONSILII"
CARACTERIZADA - RECURSO DESPROVIDO.
A presunção de violência, por ser a
vítima menor de 14 anos, tem fundamento na proteção daqueles que, em virtude da
pouca idade, ainda não possuem a exata noção das conseqüências de seus atos, de
modo que, sem o pleno domínio da vontade, considera-se inválida a anuência
emprestada ao relacionamento sexual.
Embora relativa, a presunção de
violência do art. 224, letra a, do Estatuto Repressivo, só poderá ser infirmada
se houver prova de que a vítima já era de todo corrompida, ao tempo da
conjunção carnal com o agente (Ap. crim. n. 02.000334-4, de Correia Pinto, rel.
Des. Jaime Ramos, j. 6.8.2002).
Nesse contexto, não há que se dar
guarida ao argumento de que a vítima, uma menina de 13 anos de idade, de um
município do interior, inexperiente e curiosa com as coisas do sexo, que não
possuía formação moral e de caráter consolidadas, tenha consentido validamente
para a prática das relações sexuais, a pretexto de desclassificar a presunção
de violência. Por outro lado, o acusado, Ronaldo Ferreira, na época com 36 anos,
não sendo pessoa ingênua, deveria saber que não poderia levar adiante a situação,
pois, como já foi repisado, a lei reputa inválido o consentimento de certas
pessoas, em razão da idade ou condição mental em que se encontram, não cabendo
discutir sua aquiescência sobre fatos sexuais.
Cita-se precedente que bem se amolda ao
caso em tela:
O que deve ser considerado é que uma
menina de doze anos não possui suficiente capacidade para consentir livremente
na prática de coito. É que uma menina de 12 anos, já se tornando mulher, o
instinto sexual tomando conta de seu corpo, cede, com mais facilidade, aos
apelos amorosos. É precária sua resistência, natural mesmo sua insegurança,
dado que não têm ela, ainda, condições de avaliar as conseqüências do ato. O
instinto sexual tende a prevalecer. Por isso, a lei instituiu, em seu favor, a
presunção de que foi levada à consumação do ato sexual mediante violência (Código Penal, art. 224, a). A
afirmativa no sentido de que a menor era leviana não me parece suficiente para
retirar-lhe a proteção da lei penal. Leviana talvez o seja, porque imatura, não
tem condições de discernir livremente. Uma menina de doze anos está,
indiscutivelmente, em formação, não sabe ainda o que quer. (.) O paciente é
que, com 24 anos de idade, deveria ter pensado duas vezes antes de realizar o
coito. (...) Na verdade, uma jovem de 12 anos não é ainda uma mulher, não sabe
discernir a respeito de seus instintos sexuais. Essa imaturidade, que impede a
compreensão do exato sentido do ato, revela-se, justamente, nas declarações que
foram prestadas, em que a menina-moça se preocupa em parecer mulher de vida
livre. Isto decorre da imaturidade. Fosse ela mulher feita, pudesse ela
discernir como adulta, e suas declarações seriam outras, ela tentaria se
defender, parecer moça austera, circunspecta" (STF, HC 73.662, MG, rel.
Min. MARÇO AURÉLIO, j. 21.05.1996).
Em síntese: nos crimes contra a
liberdade sexual cometidos contra menores de quatorze anos, o consentimento da
vítima é irrelevante, presumindo-se a sua incapacidade absoluta de decidir
quanto à oportunidade e conveniência da relação carnal.
Assim, restando comprovada a
materialidade do estupro pelo auto de conjunção carnal, bem como a autoria
pelas palavras da vítima, a condenação do apelado é medida que se impõe.
Por fim, dando provimento ao recurso do
Ministério Público para condenar o réu nas sanções do art.213, c/c art. 224, a, ambos do CP, passa-se à aplicação da
pena:
Atendendo-se às circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal, tem-se a
culpabilidade em grau médio. Inexistem elementos nos autos para a segura
análise de sua conduta social e personalidade. Não registra antecedentes
criminais. Os motivos e as circunstâncias foram normais à espécie. As
conseqüências não foram graves, uma vez que a ofendida, apesar de se dizer
magoada, após os fatos, levava uma vida normal. Quanto ao comportamento da
vítima, não se pode dizer que contribuiu para a prática do delito.
Assim, pela análise das circunstâncias
judiciais, fixa-se a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 6 (seis) de
reclusão.
Na fase intermediária, não há
agravantes ou atenuantes a serem sopesadas.
Na terceira fase, inexistem causas de
aumento ou de diminuição.
Finalmente, em que pese os autos
indicarem que a vítima manteve multiplicidade de eventos carnais com o réu, em
juízo ela afirmou que isso ocorreu uma única vez, impossibilitando o
reconhecimento da continuidade delitiva.
Em virtude do montante da pena
aplicada, impossível a substituição da pena corporal por restritivas de
direitos ou "sursis".
DECISÃO
Diante do exposto, decidiu a Segunda
Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento,
para condenar Ronaldo Ferreira, nos termos desde acórdão.
O julgamento, realizado nesta data, foi
presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Paladino, sem voto, e dele participaram os
Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Tulio José Moura Pinheiro, lavrando
parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Demétrio
Constantino Serratine.
Florianópolis, 7 de abril de 2009.
Irineu João da Silva
Relator
Gabinete Des. Irineu
João da Silva
São citados ainda, por Flávio
Augusto Monteiro Barros outras excludentes, as quais seriam: o Princípio da
Adequação Social, Princípio do Balanço dos Bens e o Princípio da
Insignificância ou Bagatela.
Este último tem sido aceito em
nossa jurisprudência, e leva em consideração o valor do bem, analisando a
proporcionalidade do dano sofrido pelo ofendido e a pena que deveria ser
imposta. Vejamos:
HABEAS CORPUS Nº 21.071 - SP (2002/0025061-6)
RELATORA
|
:
|
MINISTRA
LAURITA VAZ
|
IMPETRANTE
|
:
|
FAIÇAL CAIS
|
IMPETRADO
|
:
|
DESEMBARGADOR FEDERAL
RELATOR DA AÇAO PENAL NR
200003000105877 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIAO
|
PACIENTE
|
:
|
RODRIGO GARCIA
|
EMENTA
HABEAS CORPUS . DESCAMINHO. APREENSAO DE MERCADORIA DE PEQUENO VALOR. INEXISTÊNCIA
DE INTERESSE FISCAL. APLICAÇAO DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CAUSA SUPRALEGAL
DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE. PRECEDENTES DO STJ.
1. Não se vislumbra na hipótese a existência de ilícito fiscal, o que se torna inviável a imputação do delito
de descaminho ao paciente, uma vez que a conduta
que se lhe imputa a peça acusatória não chegou a lesar o bem jurídico tutelado, qual seja, a Administração
Pública em seu interesse fiscal.
2. Aplicação do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Precedentes do
STJ.
3. Habeas corpus concedido.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem
pleiteada pela defesa, para determinar o trancamento da ação penal originária nº
2000.03.00.010587-7, em trâmite no Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Votaram com a Relatora os
Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.
Presidiu a sessão o Ministro Gilson Dipp.
Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2003 (data do julgamento).
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
Ou seja, pode-se dizer que
atualmente estão sendo aceitas as excludentes de antijuridicidade que sejam
supralegais no ordenamento jurídico brasileiro.
Diferenciações
Excludentes
|
Legítima Defesa
|
Estado de Necessidade
|
Estrito Cumprimento de
Dever Legal
|
Exercício Regular de
Direito
|
agressão
Injusta
|
perigo não
provocado voluntariamente pelo agente
|
o agente
está obrigado a agir, porque a lei assim impõe
|
o agente age
praticando fato típico, mas não ilícito porque a lei o permite
|
|
atual ou
iminente
|
atual
|
fato típico
mas não antijurídico
|
deve
obedecer os limites impostos
|
|
moderação
nos meios de defesa
|
||||
consciência
de que está agindo em legítima defesa
|
consciência
de que está agindo em estado de necessidade
|
deve
respeitar os limites ao seu cumprimento
|
||
direito
próprio ou alheio
|
direito
próprio ou alheio
|
|||
reação
|
ação
|
obrigação
|
FACULDADE
|
Questão
02: Causas supralegais são admitidas no sistema jurídico brasileiro?
No
sistema jurídico Brasileiro admitem-se causas excludentes de ilicitudes não
previstas em lei? Fundamente sua resposta, indicando todas as posições
doutrinárias sobre o tema.
Sim, embora haja uma discussão acerca da validade de tais justificantes,
tendo em vista o fato de termos um ordenamento jurídico positivista, que
exigiria, portanto, a existência da excludente (atualmente supralegal) dentro
do sistema.
Mesmo com tais discussões, e até mesmo o uso escasso de tais
exculpantes, elas se encontram presentes no ordenamento.
A
causa excludente supralegal que temos presente em nosso dia-a-dia é o
consentimento do ofendido, tema já citado e explicado supra, e que é vastamente
confundido com o exercício regular de direito.
A
faculdade dos dois fatos é o que acaba fazendo ser confundido.
Consentir
é uma faculdade. Se o consentimento tiver como corolário um bem jurídico
disponível não há que se falar em ilicitude. Quando um exercício de direito tem
raiz no direito penal, o fato pode ser ilícito na esfera extrapenal, embora não
seja ilícito punível.
Destarte,
como foi mostrado, se o consentimento estiver sendo empenhado sob bem jurídico
disponível exclui-se a ilicitude. Não seria razoável que A permitisse que B
adentrasse em sua residência e após uma discussão A acusa B de violação de
domicílio. O consenso não pode ser aplicado a crimes contra a vida, liberdade,
honra e administração pública.
José
Frederico Marques diz:
“Quando surge o consenso, em relação a
determinados bens deixa de subsistir a situação de fato em relação à qual deve
entrar em vigor a norma penal, o que acontece naqueles casos em que o interesse
do Estado não seja tão que prescinda da vontade do particular. É que, em
ocorrendo tais situações, o interesse público do Estado não pode exigir mais do
que isto: que os bens individuais não sejam atingidos contra a vontade de
respectivos sujeito O interesse estatal
de identifica com a conservação de bens individuais enquanto seta corresponda à
vontade do titular; consequentemente esses bens não podem ser tidos como
lesados quando o respectivo sujeito manifestou sua vontade em sentido favorável
à lesão.”
(...)
“A disponibilidade ou indisponibilidade do bem
jurídico é problema que se resolve em face dos mandamentos, princípios e regras
da ordem jurídica total, inclusive o direito costumeiro.”
Questão
03: Responsabilidade Civil e Administrativa por fato criminal.
José, policial militar, foi absolvido no
Tribunal de Juri por ter praticado o fato em legítima defesa. A decisão do
campo penal afasta também a responsabilização civil e a administrativa do
policial? Fundamente sua resposta.
Observe o conceito de José
Carlos Gobbis Pagliuca:
“A exclusão de
antijuridicidade não implica o desaparecimento da tipicidade e deve-se falar em
‘conduta típica permitida’. Daí por que ser inerente às causas de exclusão da
antijuridicidade o desaparecimento de
quaisquer conseqüências jurídicas, quer no campo penal, civil, administrativo ou
outro qualquer.”
Isso quer dizer que se o agente que cometeu o fato acobertado por um dos
excludentes de antijuridicidade, ele também estará livre da responsabilidade
administrativa e civil.
De acordo com o regulamento disciplinar da PM do Estado de São Paulo, as
causas justificativas de transgressão são:
“I-motivo de força maior ou caso fortuito,
plenamente comprovados;
II–benefício do serviço, da preservação da ordem pública ou do interesse
público;
III-legítima defesa própria ou de
outrem;
IV–obediência a ordem superior,
desde que a ordem recebida não seja manifestamente ilegal;
V–uso de força para compelir o
subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, no caso de perigo, necessidade
urgente, calamidade pública ou manutenção da ordem e da disciplina”.
Ou seja, se um militar, no
exercício de sua função constitucional, vier a praticar uma transgressão ao
código disciplinar e esteja amparado pelas causas excludentes, ele não sofrerá
sanções tanto no campo penal militar, penal, administrativo e civil.
Conclusão
O presente trabalho contribuiu e
muito na compreensão das características e diferenciações existentes entre as
excludentes de ilicitude, bem como compreender os casos e aplicações práticas
de cada uma.
Na realidade, apesar de sabermos
da dificuldade existente em ser devidamente comprovada a existência de tais
causas, há de se convir que um bom profissional do Direito deve conhecer de
todas as teorias e a melhor forma de aplicação de cada uma delas, tendo em
vista que a qualquer momento pode ser utilizada em casos esporádicos.
Referências
Bibliográficas
MASSON, Cleber. Direito Penal
Esquematizado. 3ª edição.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito
Penal – Parte Geral. 12ª edição. Volume 1.
MARQUES, José Frederico. Tratado
de Direito Penal.
JESUS, Damásio Evangelista. Direito
Penal – 1º volume – Parte Geral. 18ª edição.
ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual
de Direito Penal. 6ª edição.